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encíclica apostólica CARITAS IN VERITATE
encíclica apostólica CARITAS IN VERITATE

CARTA ENCÍCLICA
CARITAS IN VERITATE
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
AOS FIÉIS LEIGOS
E A TODOS OS HOMENS
DE BOA VONTADE
SOBRE O DESENVOLVIMENTO
HUMANO INTEGRAL
NA CARIDADE E NA VERDADE
INTRODUÇÃO
1. A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a sua vida terrena e
sobretudo com a sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o
verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira. O amor —
« caritas » — é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se,
com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força que tem a sua
origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta. Cada um encontra o bem próprio,
aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito,
é em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre
(cf. Jo 8, 32). Por isso, defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e
testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de
facto, « rejubila com a verdade » (1 Cor 13, 6). Todos os homens sentem o impulso
interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo
neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem.
Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da
verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida
verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, acaridade na verdade torna-se o
Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos irmãos na
verdade do seu projecto. De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf. Jo 14, 6).
2. A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades
e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é — como ensinou Jesus
— a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à
relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das microrelações
estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das
macrorelações como relacionamentos sociais, económicos, políticos. Para a Igreja —
instruída pelo Evangelho —, a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4,
8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus
caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo
tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e
nossa esperança.
Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa de
enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de excluí-la da vida ética e,
em todo o caso, de impedir a sua correcta valorização. Nos âmbitos social, jurídico,
cultural, político e económico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é
difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades
morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade, não só na direcção
assinalada por S. Paulo da « veritas in caritate » (Ef 4, 15), mas também na direcção
inversa e complementar da « caritas in veritate ». A verdade há-de ser procurada,
encontrada e expressa na « economia » da caridade, mas esta por sua vez há-de ser
compreendida, avaliada e praticada sob a luz da verdade. Deste modo teremos não
apenas prestado um serviço à caridade, iluminada pela verdade, mas também
contribuído para acreditar a verdade, mostrando o seu poder de autenticação e persuasão
na vida social concreta. Facto este que se deve ter bem em conta hoje, num contexto
social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes negligente se não
mesmo refractário à mesma.
3. Pela sua estreita ligação com a verdade, a caridade pode ser reconhecida como
expressão autêntica de humanidade e como elemento de importância fundamental nas
relações humanas, nomeadamente de natureza pública. Só na verdade é que a caridade
refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à
caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé, através das quais a
inteligência chega à verdade natural e sobrenatural da caridade: identifica o seu
significado de doação, acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no
sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher
arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro
das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada
chegando a significar o oposto do que é realmente. A verdade liberta a caridade dos
estrangulamentos do emotivismo, que a despoja de conteúdos relacionais e sociais, e do
fideísmo, que a priva de amplitude humana e universal. Na verdade, a caridade reflecte
a dimensão simultaneamente pessoal e pública da fé no Deus bíblico, que é
conjuntamente « Agápe » e « Lógos »: Caridade e Verdade, Amor e Palavra.
4. Porque repleta de verdade, a caridade pode ser compreendida pelo homem na sua
riqueza de valores, partilhada e comunicada. Com efeito, a verdade é « lógos » que cria
« diá-logos » e, consequentemente, comunicação e comunhão. A verdade, fazendo sair
os homens das opiniões e sensações subjectivas, permite-lhes ultrapassar determinações
culturais e históricas para se encontrarem na avaliação do valor e substância das coisas.
A verdade abre e une as inteligências no lógos do amor: tal é o anúncio e o testemunho
cristão da caridade. No actual contexto social e cultural, em que aparece generalizada a
tendência de relativizar a verdade, viver a caridade na verdade leva a compreender que a
adesão aos valores do cristianismo é um elemento útil e mesmo indispensável para a
construção duma boa sociedade e dum verdadeiro desenvolvimento humano integral.
Um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma
reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social mas marginais. Deste
modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a
verdade, a caridade acaba confinada num âmbito restrito e carecido de relações; fica
excluída dos projectos e processos de construção dum desenvolvimento humano de
alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática.
5. A caridade é amor recebido e dado; é « graça » (cháris). A sua nascente é o amor
fontal do Pai pelo Filho no Espírito Santo. É amor que, pelo Filho, desce sobre nós. É
amor criador, pelo qual existimos; amor redentor, pelo qual somos recriados. Amor
revelado e vivido por Cristo (cf. Jo 13, 1), é « derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo » (Rm 5, 5). Destinatários do amor de Deus, os homens são constituídos
sujeitos de caridade, chamados a fazerem-se eles mesmos instrumentos da graça, para
difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade.
A esta dinâmica de caridade recebida e dada, propõe-se dar resposta a doutrina social da
Igreja.Tal doutrina é « caritas in veritate in re sociali », ou seja, proclamação da
verdade do amor de Cristo na sociedade; é serviço da caridade, mas na verdade. Esta
preserva e exprime a força libertadora da caridade nas vicissitudes sempre novas da
história. É ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na distinção e, conjuntamente,
sinergia destes dois âmbitos cognitivos. O desenvolvimento, o bem-estar social, uma
solução adequada dos graves problemas socioeconómicos que afligem a humanidade
precisam desta verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e
testemunhada. Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há
consciência e responsabilidade social, e a actividade social acaba à mercê de interesses
privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa
sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os actuais.
6. « Caritas in veritate » é um princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja,
princípio que ganha forma operativa em critérios orientadores da acção moral. Destes,
desejo lembrar dois em particular, requeridos especialmente pelo compromisso em prol
do desenvolvimento numa sociedade em vias de globalização: a justiça e o bem comum.
Em primeiro lugar, a justiça. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade elabora um sistema
próprio de justiça. A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do
que é « meu »; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é « dele »,
o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso « dar » ao outro do que
é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Quem ama os outros
com caridade é, antes de mais nada, justo para com eles. A justiça não só não é alheia à
caridade, não só não é um caminho alternativo ou paralelo à caridade, mas é «
inseparável da caridade »[1], é-lhe intrínseca. A justiça é o primeiro caminho da
caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, « a medida mínima » dela[2], parte
integrante daquele amor « por acções e em verdade » (1 Jo 3, 18) a que nos exorta o
apóstolo João. Por um lado, a caridade exige a justiça: o reconhecimento e o respeito
dos legítimos direitos dos indivíduos e dos povos. Aquela empenha-se na construção da
« cidade do homem » segundo o direito e a justiça. Por outro, a caridade supera a justiça
e completa-a com a lógica do dom e do perdão[3]. A « cidade do homem » não se move
apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações
de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas
relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de
justiça no mundo.
7. Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o
seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um
bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É o bem daquele « nós-todos »,
formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade
social[4]. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte
da comunidade social e que, só nela, podem realmente e com maior eficácia obter o
próprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele éexigência de justiça e de
caridade. Comprometer-se pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valerse
daquele conjunto de instituições que estruturam jurídica, civil, política e
culturalmente a vida social, que deste modo toma a forma de pólis, cidade. Ama-se
tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum
que dê resposta também às suas necessidades reais. Todo o cristão é chamado a esta
caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência
na pólis. Este é o caminho institucional — podemos mesmo dizer político — da
caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a caridade que vai directamente
ao encontro do próximo, fora das mediações institucionais da pólis. Quando o empenho
pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho
simplesmente secular e político. Aquele, como todo o empenho pela justiça, inscreve-se
no testemunho da caridade divina que, agindo no tempo, prepara o eterno. A acção do
homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a
edificação daquelacidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história
da família humana. Numa sociedade em vias de globalização, o bem comum e o
empenho em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família humana
inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das nações[5], para dar forma de unidade e
paz à cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação que prefigura a cidade
de Deus sem barreiras.
8. Ao publicar a encíclica Populorum progressio em 1967, o meu venerado predecessor
Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da
verdade e com a luz suave da caridade de Cristo. Afirmou que o anúncio de Cristo é o
primeiro e principal factor de desenvolvimento [6] e deixou-nos a recomendação de
caminhar pela estrada do desenvolvimento com todo o nosso coração e com toda a
nossa inteligência[7], ou seja, com o ardor da caridade e a sapiência da verdade. É a
verdade originária do amor de Deus — graça a nós concedida — que abre ao dom a
nossa vida e torna possível esperar num « desenvolvimento do homem todo e de todos
os homens »[8], numa passagem « de condições menos humanas a condições mais
humanas »[9], que se obtém vencendo as dificuldades que inevitavelmente se encontram
ao longo do caminho.
Passados mais de quarenta anos da publicação da referida encíclica, pretendo prestar
homenagem e honrar a memória do grande Pontífice Paulo VI, retomando os seus
ensinamentos sobre odesenvolvimento humano integral e colocando-me na senda pelos
mesmos traçada para os actualizar nos dias que correm. Este processo de actualização
teve início com a encíclicaSollicitudo rei socialis do Servo de Deus João Paulo II, que
desse modo quis comemorar aPopulorum progressio no vigésimo aniversário da sua
publicação. Até então, semelhante comemoração tinha-se reservado apenas para
a Rerum novarum. Passados outros vinte anos, exprimo a minha convicção de que
a Populorum progressio merece ser considerada como « aRerum novarum da época
contemporânea », que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificação.
9. O amor na verdade — caritas in veritate — é um grande desafio para a Igreja num
mundo em crescente e incisiva globalização. O risco do nosso tempo é que, à real
interdependência dos homens e dos povos, não corresponda a interacção ética das
consciências e das inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento
verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, é
possível alcançar objectivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais humana
e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico
desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações
de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12,
21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades.
A Igreja não tem soluções técnicas para oferecer [10] e não pretende « de modo algum
imiscuir-se na política dos Estados »[11]; mas tem uma missão ao serviço da verdade
para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do
homem, da sua dignidade, da sua vocação. Sem verdade, cai-se numa visão empirista e
céptica da vida, incapaz de se elevar acima da acção porque não está interessada em
identificar os valores — às vezes nem sequer os significados — pelos quais julgá-la e
orientá-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia
de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É
por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado
onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao serviço da verdade é
irrenunciável. A sua doutrina social é um momento singular deste anúncio: é serviço à
verdade que liberta. Aberta à verdade, qualquer que seja o saber donde provenha, a
doutrina social da Igreja acolhe-a, compõe numa unidade os fragmentos em que
frequentemente a encontra, e serve-lhe de medianeira na vida sempre nova da sociedade
dos homens e dos povos[12].
CAPÍTULO I
A MENSAGEM
DA POPULORUM PROGRESSIO
10. A releitura da Populorum progressio, mais de quarenta anos depois da sua
publicação, incita a permanecer fiéis à sua mensagem de caridade e de verdade,
considerando-a no âmbito do magistério específico de Paulo VI e, mais em geral, dentro
da tradição da doutrina social da Igreja. Depois há que avaliar os termos diferentes em
que hoje, diversamente de então, se coloca o problema do desenvolvimento. Por isso, o
ponto de vista correcto é o da Tradição da fé apostólica[13], património antigo e novo,
fora do qual a Populorum progressio seria um documento sem raízes e as questões do
desenvolvimento ficariam reduzidas unicamente a dados sociológicos.
11. A publicação da Populorum progressio deu-se imediatamente depois da conclusão
do Concílio Ecuménico Vaticano II. A própria encíclica sublinha, nos primeiros
parágrafos, a sua relação íntima com o Concílio[14]. Vinte anos depois, era João Paulo
II que destacava, naSollicitudo rei socialis, a fecunda relação daquela encíclica com o
Concílio, particularmente com a constituição pastoral Gaudium et spes[15]. Desejo,
também eu, lembrar aqui a importância que o Concílio Vaticano II teve na encíclica de
Paulo VI e em todo o sucessivo magistério social dos Sumos Pontífices. O Concílio
aprofundou aquilo que desde sempre pertence à verdade da fé, ou seja, que a Igreja,
estando ao serviço de Deus, serve o mundo em termos de amor e verdade. Foi
precisamente desta perspectiva que partiu Paulo VI para nos comunicar duas grandes
verdades. A primeira é que a Igreja inteira, em todo o seu ser e agir, quando anuncia,
celebra e actua na caridade, tende a promover o desenvolvimento integral do homem.
Ela tem um papel público que não se esgota nas suas actividades de assistência ou de
educação, mas revela todas as suas energias ao serviço da promoção do homem e da
fraternidade universal quando pode usufruir de um regime de liberdade. Em não poucos
casos, tal liberdade vê-se impedida por proibições e perseguições; ou então é limitada,
quando a presença pública da Igreja fica reduzida unicamente às suas actividades
sociocaritativas. A segunda verdade é que o autêntico desenvolvimento do homem diz
respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões[16]. Sem a
perspectiva duma vida eterna, o progresso humano neste mundo fica privado de respiro.
Fechado dentro da história, está sujeito ao risco de reduzir-se a simples incremento do
ter; deste modo, a humanidade perde a coragem de permanecer disponível para os bens
mais altos, para as grandes e altruístas iniciativas solicitadas pela caridade universal. O
homem não se desenvolve apenas com as suas próprias forças, nem o desenvolvimento
é algo que se lhe possa dar simplesmente de fora. Muitas vezes, ao longo da história,
pensou-se que era suficiente a criação de instituições para garantir à humanidade a
satisfação do direito ao desenvolvimento. Infelizmente foi depositada excessiva
confiança em tais instituições, como se estas pudessem conseguir automaticamente o
objectivo desejado. Na realidade, as instituições sozinhas não bastam, porque o
desenvolvimento humano integral é primariamente vocação e, por conseguinte, exige
uma livre e solidária assunção de responsabilidade por parte de todos. Além disso, tal
desenvolvimento requer uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus:
sem Ele, o desenvolvimento é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do
homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um
desenvolvimento desumanizado. Aliás, só o encontro com Deus permite deixar de « ver
no outro sempre e apenas o outro »[17], para reconhecer nele a imagem divina,
chegando assim a descobrir verdadeiramente o outro e a maturar um amor que « se
torna cuidado do outro e pelo outro »[18].
12. A ligação entre a Populorum progressio e o Concílio Vaticano II não representa um
corte entre o magistério social de Paulo VI e o dos Pontífices seus predecessores, visto
que o Concílio constitui um aprofundamento de tal magistério na continuidade da vida
da Igreja[19]. Neste sentido, não ajudam à clareza certas subdivisões abstractas da
doutrina social da Igreja, que aplicam ao ensinamento social pontifício categorias que
lhe são alheias. Não existem duas tipologias de doutrina social — uma pré-conciliar e
outra pós-conciliar —, diversas entre si, mas um único ensinamento, coerente e
simultaneamente sempre novo[20]. É justo evidenciar a peculiaridade de uma ou outra
encíclica, do ensinamento deste ou daquele Pontífice, mas sem jamais perder de vista a
coerência do corpus doutrinal inteiro[21]. Coerência não significa reclusão num
sistema, mas sobretudo fidelidade dinâmica a uma luz recebida. A doutrina social da
Igreja ilumina, com uma luz imutável, os problemas novos que vão aparecendo[22]. Isto
salvaguarda o carácter quer permanente quer histórico deste « património »
doutrinal[23], o qual, com as suas características específicas, faz parte da Tradição
sempre viva da Igreja[24]. A doutrina social está construída sobre o fundamento que foi
transmitido pelos Apóstolos aos Padres da Igreja e, depois, acolhido e aprofundado
pelos grandes Doutores cristãos. Tal doutrina remonta, em última análise, ao Homem
novo, ao « último Adão que Se tornou espírito vivificante » (1 Cor 15, 45) e é princípio
da caridade que « nunca acabará » (1 Cor 13, 8). É testemunhada pelos Santos e por
quantos deram a vida por Cristo Salvador no campo da justiça e da paz. Nela se exprime
a missão profética que têm os Sumos Pontífices de guiar apostolicamente a Igreja de
Cristo e discernir as novas exigências da evangelização. Por estas razões, a Populorum
progressio, inserida na grande corrente da Tradição, é capaz de nos falar ainda hoje.
13. Além da sua importante ligação com toda a doutrina social da Igreja, a Populorum
progressioestá intimamente conexa com o magistério global de Paulo VI e, de modo
particular, com o seu magistério social. De grande relevo foi, sem dúvida, o seu
ensinamento social: reafirmou a exigência imprescindível do Evangelho para a
construção da sociedade segundo liberdade e justiça, na perspectiva ideal e histórica de
uma civilização animada pelo amor. Paulo VI compreendeu claramente como se tinha
tornado mundial a questão social[25] e viu a correlação entre o impulso à unificação da
humanidade e o ideal cristão de uma única família dos povos, solidária na fraternidade
comum. Indicou o desenvolvimento, humana e cristãmente entendido, como o coração
da mensagem social cristã e propôs a caridade cristã como principal força ao serviço do
desenvolvimento. Movido pelo desejo de tornar o amor de Cristo plenamente visível ao
homem contemporâneo, Paulo VI enfrentou com firmeza importantes questões éticas,
sem ceder às debilidades culturais do seu tempo.
14. Depois, com a carta apostólica Octogesima adveniens de 1971, Paulo VI tratou o
tema do sentido da política e do perigo de visões utópicas e ideológicas que
prejudicavam a sua qualidade ética e humana. São argumentos estritamente
relacionados com o desenvolvimento. Infelizmente as ideologias negativas florescem
continuamente. Contra a ideologia tecnocrática, hoje particularmente radicada, já Paulo
VI tinha alertado[26], ciente do grande perigo que era confiar todo o processo do
desenvolvimento unicamente à técnica, porque assim ficaria sem orientação. A técnica,
em si mesma, é ambivalente. Se, por um lado, há hoje quem seja propenso a confiar-lhe
inteiramente tal processo de desenvolvimento, por outro, assiste-se à investida de
ideologias que negam in toto a própria utilidade do desenvolvimento, considerado
radicalmente anti-humano e portador somente de degradação. Mas, deste modo, acabase
por condenar não apenas a maneira errada e injusta como por vezes os homens
orientam o progresso, mas também as descobertas científicas que entretanto, se bem
usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos. A ideia de um mundo
sem desenvolvimento exprime falta de confiança no homem e em Deus. Por
conseguinte, é um grave erro desprezar as capacidades humanas de controlar os
extravios do desenvolvimento ou mesmo ignorar que o homem está constitutivamente
inclinado para « ser mais ». Absolutizar ideologicamente o progresso técnico ou então
afagar a utopia duma humanidade reconduzida ao estado originário da natureza são dois
modos opostos de separar o progresso da sua apreciação moral e, consequentemente, da
nossa responsabilidade.
15. Outros dois documentos de Paulo VI, embora não estritamente ligados com a
doutrina social — a encíclica Humanæ vitæ, de 25 de Julho de 1968, e a exortação
apostólica Evangelii nuntiandi, de 8 de Dezembro de 1975 —, são muito importantes
para delinear o sentido plenamente humano do desenvolvimento proposto pela Igreja.
Por isso é oportuno ler também estes textos em relação com a Populorum progressio.
A encíclica Humanæ vitæ sublinha o significado conjuntamente unitivo e procriativo da
sexualidade, pondo assim como fundamento da sociedade o casal, homem e mulher, que
se acolhem reciprocamente na distinção e na complementaridade; um casal, portanto,
aberto à vida[27]. Não se trata de uma moral meramente individual: a Humanæ
vitæ indica os fortes laços existentes entre ética da vida e ética social, inaugurando uma
temática do Magistério que aos poucos foi tomando corpo em vários documentos, sendo
o mais recente a encíclica Evangelium vitæ de João Paulo II[28]. A Igreja propõe, com
vigor, esta ligação entre ética da vida e ética social, ciente de que não pode « ter sólidas
bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a justiça e a paz,
mas contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais diversas formas de
desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e marginalizada »[29].
Por sua vez, a exortação apostólica Evangelii nuntiandi tem uma relação muito forte
com o desenvolvimento, visto que « a evangelização — escrevia Paulo VI — não seria
completa, se não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem
constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, do homem »[30]. «
Entre evangelização e promoção humana — desenvolvimento, libertação — existem de
facto laços profundos »[31]: partindo desta certeza, Paulo VI ilustrava claramente a
relação entre o anúncio de Cristo e a promoção da pessoa na sociedade. O testemunho
da caridade de Cristo através de obras de justiça, paz e desenvolvimento faz parte da
evangelização, pois a Jesus Cristo, que nos ama, interessa o homem inteiro. Sobre estes
importantes ensinamentos, está fundado o aspecto missionário [32] da doutrina social da
Igreja como elemento essencial de evangelização[33]. A doutrina social da Igreja é
anúncio e testemunho de fé; é instrumento e lugar imprescindível de educação para a
mesma.
16. Na Populorum progressio, Paulo VI quis dizer-nos, antes de mais nada, que o
progresso é, na sua origem e na sua essência, uma vocação: « Nos desígnios de Deus,
cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação »[34]. É
precisamente este facto que legitima a intervenção da Igreja nas problemáticas do
desenvolvimento. Se este tocasse apenas aspectos técnicos da vida do homem, e não o
sentido do seu caminhar na história juntamente com seus irmãos, nem a individuação da
meta de tal caminho, a Igreja não teria título para falar. Mas Paulo VI, como antes dele
Leão XIII na Rerum novarum[35], estava consciente de cumprir um dever próprio do
seu serviço quando iluminava com a luz do Evangelho as questões sociais do seu
tempo[36].
Dizer que o desenvolvimento é vocação equivale a reconhecer, por um lado, que o
mesmo nasce de um apelo transcendente e, por outro, que é incapaz por si mesmo de
atribuir-se o próprio significado último. Não é sem motivo que a palavra « vocação »
volta a aparecer noutra passagem da encíclica, onde se afirma: « Não há, portanto,
verdadeiro humanismo senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que
exprime a ideia exacta do que é a vida humana »[37]. Esta visão do desenvolvimento é
o coração da Populorum progressio e motiva todas as reflexões de Paulo VI sobre a
liberdade, a verdade e a caridade no desenvolvimento. É também a razão principal por
que tal encíclica continua actual nos nossos dias.
17. A vocação é um apelo que exige resposta livre e responsável. O desenvolvimento
humano integral supõe a liberdade responsável da pessoa e dos povos: nenhuma
estrutura pode garantir tal desenvolvimento, prescindindo e sobrepondo-se à
responsabilidade humana. Os « messianismos fascinantes, mas construtores de ilusões
»[38] fundam sempre as próprias propostas na negação da dimensão transcendente do
desenvolvimento, seguros de o terem inteiramente à sua disposição. Esta falsa
segurança converte-se em fraqueza, porque implica a sujeição do homem, reduzido à
categoria de meio para o desenvolvimento, enquanto a humildade de quem acolhe uma
vocação se transforma em verdadeira autonomia, porque torna a pessoa livre. Paulo VI
não tem dúvidas sobre a existência de obstáculos e condicionamentos que refreiam o
desenvolvimento, mas está seguro também de que « cada um, sejam quais forem as
influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do
seu fracasso »[39]. Esta liberdade diz respeito não só ao desenvolvimento que
usufruímos, mas também às situações de subdesenvolvimento, que não são fruto do
acaso nem de uma necessidade histórica, mas dependem da responsabilidade humana. É
por isso que « os povos da fome se dirigem hoje, de modo dramático, aos povos da
opulência »[40]. Também isto é vocação, um apelo que homens livres dirigem a homens
livres em ordem a uma assunção comum de responsabilidade. Viva era, em Paulo VI, a
percepção da importância das estruturas económicas e das instituições, mas era
igualmente clara nele a noção da sua natureza de instrumentos da liberdade humana.
Somente se for livre é que o desenvolvimento pode ser integralmente humano; apenas
num regime de liberdade responsável, pode crescer de maneira adequada.
18. Além de requerer a liberdade, o desenvolvimento humano integral enquanto
vocação exige também que se respeite a sua verdade. A vocação ao progresso impele os
homens a « realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais »[41]. Mas aqui levanta-se o
problema: que significa « ser mais »? A tal pergunta responde Paulo VI indicando a
característica essencial do « desenvolvimento autêntico »: este « deve ser integral, quer
dizer, promover todos os homens e o homem todo »[42]. Na concorrência entre as
várias concepções do homem, presentes na sociedade actual ainda mais intensamente do
que na de Paulo VI, a visão cristã tem a peculiaridade de afirmar e justificar o valor
incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento. A vocação cristã ao
desenvolvimento ajuda a empenhar-se na promoção de todos os homens e do homem
todo. Escrevia Paulo VI: « O que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo
de homens, até se chegar à humanidade inteira »[43]. A fé cristã ocupa-se do
desenvolvimento sem olhar a privilégios nem posições de poder nem mesmo aos
méritos dos cristãos — que sem dúvida existiram e existem, a par de naturais
limitações[44] —, mas contando apenas com Cristo, a Quem há-de fazer referência toda
a autêntica vocação ao desenvolvimento humano integral. O Evangelho é elemento
fundamental do desenvolvimento, porque lá Cristo, com « a própria revelação do
mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo »[45]. Instruída pelo seu
Senhor, a Igreja perscruta os sinais dos tempos e interpreta-os, oferecendo ao mundo « o
que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade »[46].
Precisamente porque Deus pronuncia o maior « sim » ao homem[47], este não pode
deixar de se abrir à vocação divina para realizar o próprio desenvolvimento. A verdade
do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se não é desenvolvimento do homem
todo e de todo o homem, não é verdadeiro desenvolvimento. Esta é a mensagem central
da Populorum progressio, válida hoje e sempre. O desenvolvimento humano integral no
plano natural, enquanto resposta a uma vocação de Deus criador[48], procura a própria
autenticação num « humanismo transcendente, que leva [o homem] a atingir a sua maior
plenitude: tal é a finalidade suprema do desenvolvimento pessoal »[49]. Portanto, a
vocação cristã a tal desenvolvimento compreende tanto o plano natural como o plano
sobrenatural, motivo por que, « quando Deus fica eclipsado, começa a esmorecer a
nossa capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o ‘‘bem'' »[50].
19. Finalmente, a concepção do desenvolvimento como vocação inclui nele a
centralidade da caridade. Paulo VI observava, na encíclica Populorum progressio, que
as causas do subdesenvolvimento não são primariamente de ordem material,
convidando-nos a procurá-las noutras dimensões do homem. Em primeiro lugar, na
vontade, que muitas vezes descuida os deveres da solidariedade. Em segundo, no
pensamento, que nem sempre sabe orientar convenientemente o querer; por isso, para a
prossecução do desenvolvimento, servem « pensadores capazes de reflexão profunda,
em busca de um humanismo novo, que permita ao homem moderno o encontro de si
mesmo »[51]. E não é tudo; o subdesenvolvimento tem uma causa ainda mais
importante do que a carência de pensamento: é « a falta de fraternidade entre os homens
e entre os povos »[52]. Esta fraternidade poderá um dia ser obtida pelos homens
simplesmente com as suas forças? A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos
vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os
homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a
fraternidade. Esta tem origem numa vocação transcendente de Deus Pai, que nos amou
primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que é a caridade fraterna. Ao apresentar os
vários níveis do processo de desenvolvimento do homem, Paulo VI colocava no vértice,
depois de ter mencionado a fé, « a unidade na caridade de Cristo que nos chama a todos
a participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens »[53].
20. Abertas pela Populorum progressio, estas perspectivas permanecem fundamentais
para dar amplitude e orientação ao nosso compromisso a favor do desenvolvimento dos
povos. E aPopulorum progressio sublinha repetidamente a urgência das reformas[54],
pedindo para que, à vista dos grandes problemas da injustiça no desenvolvimento dos
povos, se actue com coragem e sem demora. Esta urgência é ditada também pela
caridade na verdade. É a caridade de Cristo que nos impele: « caritas Christi urget
nos » (2 Cor 5, 14). A urgência não está inscrita só nas coisas, não deriva apenas do
encalçar dos acontecimentos e dos problemas, mas também do que está em jogo: a
realização de uma autêntica fraternidade. A relevância deste objectivo é tal que exige a
nossa disponibilidade para o compreendermos profundamente e mobilizarmo-nos
concretamente, com o « coração », a fim de fazer avançar os actuais processos
económicos e sociais para metas plenamente humanas.
CAPÍTULO II
O DESENVOLVIMENTO HUMANO
NO NOSSO TEMPO
21. Paulo VI tinha uma visão articulada do desenvolvimento. Com o termo «
desenvolvimento », queria indicar, antes de mais nada, o objectivo de fazer sair os
povos da fome, da miséria, das doenças endémicas e do analfabetismo. Isto significava,
do ponto de vista económico, a sua participação activa e em condições de igualdade no
processo económico internacional; do ponto de vista social, a sua evolução para
sociedades instruídas e solidárias; do ponto de vista político, a consolidação de regimes
democráticos capazes de assegurar a liberdade e a paz. Depois de tantos anos e
enquanto contemplamos, preocupados, as evoluções e as perspectivas das crises que
foram sucedendo neste período, interrogamo-nos até que ponto as expectativas de
Paulo VI tenham sido satisfeitas pelo modelo de desenvolvimento que foi adoptado nos
últimos decénios. E reconhecemos que eram fundadas as preocupações da Igreja acerca
das capacidades do homem meramente tecnológico conseguir impor-se objectivos
realistas e saber gerir, sempre adequadamente, os instrumentos à sua disposição. O lucro
é útil se, como meio, for orientado para um fim que lhe indique o sentido e o modo
como o produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem
ter como fim último o bem comum, arrisca-se a destruir riqueza e criar pobreza. O
desenvolvimento económico desejado por Paulo VI devia ser capaz de produzir um
crescimento real, extensivo a todos e concretamente sustentável. É verdade que o
desenvolvimento foi e continua a ser um factor positivo, que tirou da miséria milhões de
pessoas e, ultimamente, deu a muitos países a possibilidade de se tornarem actores
eficazes da política internacional. Todavia há que reconhecer que o próprio
desenvolvimento económico foi e continua a ser afectado por anomalias e problemas
dramáticos, evidenciados ainda mais pela actual situação de crise. Esta coloca-nos
improrrogavelmente diante de opções que dizem respeito sempre mais ao próprio
destino do homem, o qual aliás não pode prescindir da sua natureza. As forças técnicas
em campo, as inter-relações a nível mundial, os efeitos deletérios sobre a economia real
duma actividade financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa, os
imponentes fluxos migratórios, com frequência provocados e depois não geridos
adequadamente, a exploração desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a
reflectir sobre as medidas necessárias para dar solução a problemas que são não apenas
novos relativamente aos enfrentados pelo Papa Paulo VI, mas também e sobretudo com
impacto decisivo no bem presente e futuro da humanidade. Os aspectos da crise e das
suas soluções bem como de um possível novo desenvolvimento futuro estão cada vez
mais interdependentes, implicam-se reciprocamente, requerem novos esforços de
enquadramento global e uma nova síntese humanista. A complexidade e gravidade da
situação económica actual preocupa-nos, com toda a justiça, mas devemos assumir com
realismo, confiança e esperança as novas responsabilidades a que nos chama o cenário
de um mundo que tem necessidade duma renovação cultural profunda e da redescoberta
de valores fundamentais para construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos
a projectar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e encontrar novas
formas de empenhamento, a apostar em experiências positiv